Revista ISTOÉ nº 1548 – 2 de junho de 1999.
Foto: ALEXANDRE CASIANO |
À FRENTE da sua banda Moreno +2, o músico começa a conviver com a fama |
Rock it!, fue la grabadora independiente fundada en 1993 por Dado Villa-Lobos y André Mueller que editó el primer álbum del Proyecto +2 [Moreno Veloso, Domenico Lancellotti y Alexandre Kassin], Máquina de escrever música en setiembre del año 2000.
O DISCO DE ESTRÉIA DO BAIANO MORENO VELOSO,
FILHO DE UM DOS MAIS IMPORTANTES ARTISTAS DA
NOSSA MPB, CAETANO VELOSO. “NUM MUNDO EM QUE
A MAIORIA DAS MÚSICAS PRODUZIDAS POR SEUS
CONTEMPORÂNEOS É BASTANTE BRUTALIZADA, É UMA
ALEGRIA ABRIR A JANELA PARA O MUNDO ENSOLARADO
E QUASE NEO-HIPPIE DE MORENO, AONDE A POESIA, AS
MULEHRES E O SAMBA SÃO TÃO BEM TRATADOS”
HERBERT VIANNA – MÚSICO E COMPOSITOR.
Revista BRAVO! - Diciembre de 2000 |
Moreno Veloso segue os passos do pai
MARÍLIA REITER
Filho de Caetano Veloso lança, junto com sua banda, Moreno + 2, o CD Máquina de Escrever Música
Há um ano, Moreno Veloso, filho de Caetano nem pensava em montar uma banda e seguir os passos do pai. Em janeiro de 98, recebeu um pedido do amigo Carlos Barmac, diretor do Museu de Arte Moderna (MAM), para reinaugurar a sala de música do museu. Na época, convidou mais dois companheiros, Alexandre Kassin e Domenico Lancellotti, ‘para fazer um som’. Estava formada a banda Moreno + 2.
De lá pra cá, o trio se reuniu regularmente, compôs várias músicas, parte delas reunida no CD Máquina de escrever música, que eles apresentam hoje e amanhã no mesmo MAM. ‘‘Estou feliz da vida de voltar e tocar no nosso berço’’, comemora Moreno. A diferença entre o começo e agora é o repertório com griffe própria, que inclui Arrivederci e Para Xó (ambas de Moreno), e as escolhidas a dedo Deusa do Amor (Adaílton Poesia e Valter Farias), Night and Day (Cole Porter) e VW Blues (Gilberto Gil), entre as outras tantas previstas na noitada.
Mesmo com um CD na mochila, Moreno não tem pretensão de se profissionalizar. ‘‘O CD é o resultado da nossa intenção de mostrar o trabalho que a gente tinha e gostava. O nosso compromisso por enquanto é apenas esse. Se der vontade de fazer outra coisa, a gente pára e ponto final’’, afirma o cantor, num jeito pacato semelhante ao do pai. As comparações com o trabalho de Caetano são inevitáveis, visto que o trabalho também é pra lá de semelhante.
Moreno prevê que as comparações com o pai são naturais num primeiro trabalho. Mas não esquenta a cabeça com isso. Faz questão apenas de frisar que sua relação com Caetano é a mais óbvia possível, de pai para filho. ‘‘Ídolos para mim são Jorge Ben Jor e Gilberto Gil’’, explica. De qualquer forma, coube ao Veloso mais famoso da família assinar a faixa de trabalho do CD do filho, Sertão.
21/10/2000
Distraído, Moreno + 2 vence no Free Jazz
Trio do filho de Caetano Veloso passa por cima do burburinho na metade calma do show e conquista o público com a parte dançante-inusitada
Lembrava um sarau de colégio o início do show da banda Moreno + 2, sexta-feira, que abriu a noite do Free Jazz, na tenda New Directions. Entre a platéia, ainda rarefeita, mas que depois se concentrou na frente do palco, estavam o pai orgulhoso do bandleader, Caetano Veloso, e muitos dos conhecidos do trio: os paralamas Herbert Vianna e Bi, o baixista Dé, o produtor Chico Neves, as cantoras Daúde e Katia Bronstein, entre outros. No palco, via-se três garotos meio displicentemente vestidos, meio perdidos, meio tímidos demais.
A Moreno, tradicionalmente despenteado e com uma camisa da seleção mexicana de futebol, coube a tarefa de fazer as honras da casa com um surreal mas quase imperceptível “bom dia” (eram oito e quinze da noite). Com violão e voz de inspiração joãogilbertiana (e caetânica, por tabela), ele puxou uma releitura de Deusa do Amor, sucesso do Olodum, que faz parte do recém-lançado disco de estréia da banda, Máquina de Escrever Música. Alexandre Kassin tocou seu baixo eletroacústico de simplicidade aterradora e Domenico Lancelotti marcou o ritmo com duas lixas – impávidos ambos.
O toque constante de celulares e o burburinho da ala impaciente da platéia (que, ao contrário de João Gilberto e Caetano, Moreno preferiu não afrontar) se acentuaram a cada minuto que passava na primeira parte do show – para a infelicidade de quem queria prestar atenção. Seguiram-se no set list a bela Sertão (parceria de pai e filho), o samba Sinto-me bem (de Ataulfo Alves, que não está no disco) e o bolero que Moreno fez, em espanhol, pensando no amigo guitarrista Pedro Sá, Para Xó.
Como já estava cantando “em outra língua”, o rapaz emendou em uma versão de Night and Day, de Cole Porter – Kassin, o homem dos instrumentos e sons inusitados, marcou presença com uma espécie de escaleta soprada através de um tubo. Também calma foi a versão voz-e-violão para Eu Sou Melhor Que Você, divertida canção do Mulheres Q Dizem Sim, banda original de Domenico (que, sem nada para tocar nessa, coçou a barba).
Enquanto Isso marcou o início da mudança de rota do show – com a qual, por sinal, o trio ganhou o público. Digitando o ritmo em uma bateria eletrônica, que ficava em cima de uma escrivaninha, como num escritório, Domenico deu a partida para a festa dançante. Vieram em seguida o reggae-funk Arrivederci, o baião-ragga Imbalança (clássico de Gonzagão, recheado de intervenções noise de Kassin), Das Partes, Assim (com uma curiosa batida house disco) e o funk Rio Longe. Temperando o balanço com alguns elementos inusitados, deslocados, Moreno + 2 marcaram sua diferença na noite. Outra virtude de seu show foi a criteriosa e nada óbvia seleção das músicas a serem relidas nessa parte dançante: o Volks-Volkswagen Blues (de Gilberto Gil) e Tudo de Bom (Rubem Jacobina).
Uma paradinha para a delicada versão de I’m Wishing (aquela do desenho da Branca de Neve) e a festa foi retomada com A Beira e o Mar (Roberto Mendes e Jorge Portugal) e Embala Eu, no melhor estilo samba esquema noise. Pandeiros em homenagem a Mãe Menininha do Gantois encerraram o show, com a platéia enfim seduzida pelo charme nerd – cuidadosamente distraído e desajeitado – de Moreno. Em questão de minutos, em cima de um palco de sarau, ele cresceu e apareceu.
2000 - MORENO +2
[Moreno Veloso/Domenico/Kassin]
Álbum “Máquina de escrever música” / “Music typewritter”
Rock it! CD R! 025
Hannibal/Natasha Records CD HNCD 1456, Track 1. [2001, EE. UU.]
1. SERTÃO (Moreno Veloso/Caetano Veloso)
2. DEUSA DO AMOR (Adailton Poesia/Valter Farias)
3. ENQUANTO ISSO (Moreno Veloso/Quito Ribeiro)
4. EU SOU MELHOR QUE VOCÊ (Maurício Pacheco)
5. DAS PARTES (Pedro Sá/Domenico)
6. ARRIVEDERCI (Moreno Veloso)
7. ASSIM (Moreno Veloso)
8. PARA XÓ (Moreno Veloso)
9. ESFINGE (Djavan)
10. RIO LONGE (Moreno Veloso)
11. O LIVRO & O BEIJO (Moreno Veloso)
12. NENHUMA (Moreno Veloso)
13. SÓ VENDO QUE BELEZA (Henricão/Rubens Campos)
14. I’M WISHING (Morey/Churchill)
2001 - MORENO+2
A.1. ENQUANTO ISSO (Moreno Veloso/Quito Ribeiro)
A.2. O LIVRO & O BEIJO (Moreno Veloso)
B.1. ARRIVENDERCI (Moreno Veloso)
B.2. RIO LONGE (Moreno Veloso)
B.3. ASSIM (Moreno Veloso)
Nippon Crown EP 12” Limited Edition CRJ-2003 [Japón]
2003 – MORENO +2
[Moreno Veloso/Domenico/Kassin]
Álbum “Máquina de escrever música – remix”
Trama CD 7898133067686
Ping Pong CD PP0002/768-2 (2004)
Versión remix de algunas composiciones de Máquina de escrever música
1. ENQUANTO ISSO (Moreno Veloso/Quito Ribeiro) Atom™ Midisport Remix
2. SERTÃO (Moreno Veloso/Caetano Veloso) Honey On The Golden Dots Mix - por Takako Minekawa
3. ARRIVEDERCI (Moreno Veloso) Remixado por Monoaural (Berna Ceppas/Kassin)
4. RIO LONGE (Moreno Veloso) Eagle Rock Mix - por Mário C.
5. ASSIM (Moreno Veloso) Remixado por DJ You DJ Me (Ross Harrie/Craig Borrell)
6. NENHUMA (Moreno Veloso) Remixado por Andrés Levin/Arto Lindsay/John Schmersal
7. NOSSA COR (Quito Ribeiro/Moreno Veloso) por Daniel Carvalho
8. IMBALANÇA (Luiz Gonzaga/Zé Dantas)
CliqueMusic
Moreno Veloso dá a partida na sua máquina musical
Com o disco de estréia de seu trio, em que canta, toca violão e assina canções, o músico espera ter trazido a resposta para uma recorrente pergunta: "O que faz musicalmente o filho de Caetano?"
Silvio Essinger
12/10/2000
"Muita gente que faz seu primeiro disco quer se lançar, entrar no mundo da música", reconhece Moreno Veloso. Seu caso, porém, foi bem diferente: "Eu já estava envolvido com ela mesmo que não quisesse." Ainda criança, o filho de Caetano Veloso fez a letra para Um Canto de Afoxé para o Bloco do Ilê, música do pai, gravada no disco Cores, Nomes, de 1982. Ele cresceu, passou no vestibular para Física, e manteve um relacionamento periférico com a música, atuando discretamente em bandas de amigos, como o Goodnight Varsóvia. No entanto, era sempre assediado por pessoas que queriam saber se ele iria ou não seguir os passos do pai. "Já recebi uns 920 telefonemas de jornalistas. Sempre dizia: ‘Eu não sou nada, ainda não fiz nada...’", conta ele. Mas esse tempo passou: hoje Moreno tem para mostrar o disco Máquina de Escrever Música, que gravou com os amigos Domenico Lancelotti (percussões) e Kassin (baixo, demais instrumentos e produção) sob a alcunha de Moreno + 2. É, segundo ele, a resposta para a velha pergunta "O que Moreno anda fazendo musicalmente?". O CD sai nos próximos dias pela Rock It! (selo de Dado Villa-Lobos, guitarrista da Legião Urbana), a tempo de pegar os shows que o trio faz no Free Jazz Festival, nos dias 20 (Rio) e 21 (São Paulo).
Ao adentrar o mercado com um disco que reúne composições suas e algumas releituras, gravadas com sua voz, seu violão e (eventualmente) seu cello, Moreno concorre para tornar-se a celebridade que não queria ser, com todos os efeitos colaterais. "Esse talvez seja o fardo da história", suspira. "Até então era divertido mostrar o trabalho e tocar. Mas graças a Deus a felicidade de o disco ter saído é maior [que a angústia]." Não fosse um convite do produtor Carlos Barmack (que tinha ouvido uma interpretação sua do Bhagavad Gita traduzido por Rogério Duarte) para montar um show, Moreno certamente não teria feito Máquina de Escrever Música. Para acompanhá-lo, ele convidou os amigos de colégio Kassin (do Acabou La Tequila) e Domenico (do Mulheres Q Dizem Sim). Deu-se a alquimia. De repente, além de um show, eles tinham um disco, que começou a ser gravado um ano e meio atrás, num estúdio no apartamento de Kassin. "Apareceu um eu que eu nunca tinha visto", conta Moreno, cuja obra até então estava espalhada. No disco Livro, de 1997, seu pai havia gravado How Beautiful Could a Being Be. Pouco depois, retomada a parceria com Caetano (17 anos depois de Um Canto de Afoxé), eles fizeram Sertão, que acabou sendo gravada pela madrinha Gal Costa (e que foi regravada para o CD).
O título do disco vem da história de quando Tom Jobim tentou passar pela alfândega com um computador, dizendo que era uma "máquina de escrever". "Está muito grande para ser isso, não é?", perguntou o agente. "É uma máquina de escrever música", devolveu, espirituoso como sempre, o maestro. O fato é que o CD do Moreno + 2 (cuja capa mostra um transístor estilizado) foi todo feito em computadores, com tecnologia até certo ponto precária. Um dos guias nesse trajeto pelos chips foi Daniel Jobim, neto de Tom, que participa do disco tocando piano na faixa de abertura (Sertão) e na de encerramento (I’m Wishing). "O disco é uma teia de amizades que norteia o resultado em si", diz Moreno, que confessa não ser nem possuidor de uma memória musical fabulosa e nem um faminto por novidades ou antiguidades fonográficas. "Meu pai é que tem uma memória musical. Ele e João Gilberto. Se eles tiverem ouvido uma música uma vez, aos quatro anos de idade, são capazes de lembrar 45 anos depois e sair tocando", conta, completando: "E o Kassin é que é o colecionador de discos. Por acaso estou ali no meio dessas pessoas. Meus amigos me mostram umas coisas, meu pai lembra de outras."
Para se prestar atenção nas letras Máquina de Escrever Música foi gravado ao longo de três meses num estúdio montado pela banda em Araras (região serrana fluminense) e finalizado em estúdios no Rio e em Nova Iorque. "E não é um disco pop", avisa Moreno. "Uns chamam de salada, mas tem o problema de o termo ter ficado pejorativo. Ele é uma mistura de tudo o que me diz respeito musicalmente." Basicamente acústico, o CD faz brilhar a voz de Moreno. "Não sei se canto legal", despista. "A minha preocupação é a do recado." Ele explica: "Todas as músicas que estão no disco têm um sentido para estarem nele. Quero que as pessoas entendam as letras." Por isso mesmo, Moreno fez uma versão do rock Eu Sou Melhor Que Você (dos Mulheres Q Dizem Sim) só com voz e violão. "Foi de propósito, para que as pessoas prestassem atenção", diz.
Quanto às comparações que vão aparecer entre sua voz e a do pai, ele se antecipa: "Meu pai me ensinou a cantar. Mas tirando algumas passagens vocais, acho que o gene não falou tão alto." No disco, Moreno gravou o samba Só Vendo Que Beleza, de Henricão e Rubens Campos (imortalizado por Carmen Costa), que vem a ser a primeira música que Caetano o ensinou a cantar. "Descobri poucos meses atrás que o único samba que eu gravei no disco era paulista. Pensei que pudesse ser da Bahia ou do Rio", comemora. Detalhe importante: Moreno dedica o disco ao pai e aos amigos Lucas Santtana e Pedro Sá (guitarrista do Mulheres, para quem escreveu Para Xó, bolero com letra em castelhano, tocado pelo percussionista Marcos Suzano em tablas indianas ao invés de bongôs).
Moreno conta que, uma vez pronto o disco, mandou-o para tudo quanto é gravadora, pequena, média e grande. Para todas, ele sempre apresentava um ou outro probleminha – que até seriam solúveis. "Mas eu queria que o disco ficasse daquele jeito, que é meu, do Kassin e do Domênico", conta. O selo Natasha (de Paula Lavigne, atual mulher de Caetano) não chegou a fazer objeções à Máquina, mas o rapaz preferiu não aceitar o convite "para não ficar tanto na família". "A Paulinha é um gênio de marketing e gerenciamento", elogia. "Acredito em tudo de que ela participa. Mas ela é parente." A pequena e segmentada Rock It! apareceu, segundo Moreno, como a opção ideal. "O presidente [ou seja, Dado] tinha emprestado uma mala de microfones mesmo antes de a gente assinar o contrato", conta. No entanto, foi a Natasha que ficou com os direitos de licenciamento de Máquina de Escrever Música para a Europa, os Estados Unidos (pelo selo Ryko) e o Japão – o lançamento será feito em janeiro próximo. Shows do Moreno + 2 nessas paragens devem acontecer na mesma época.
O maior temor de Moreno em relação à receptividade do disco pela imprensa não é exatamente por ele, mas por Caetano "Meu pai é uma figura que tem alta impedância na mídia. Fico preocupado com os ataques que vão ser feitos a ele através de mim", diz, emendando: "Mas ele é mestre [em responder aos ataques]." O rapaz tem certeza de que ainda fará mais discos: "Muitas músicas planejadas não entraram no CD, outras surgiram durante a gravação. O disco já pede um segundo só para ter onde botar as músicas." Os próximos serão o do Domenico + 2 (que já está pronto e é bem mais experimental que o Máquina), o do Kassin + 2 e, quem sabe, o do + 3 ("O impessoal, só com os anarquismos", diverte-se).
Ao adentrar o mercado com um disco que reúne composições suas e algumas releituras, gravadas com sua voz, seu violão e (eventualmente) seu cello, Moreno concorre para tornar-se a celebridade que não queria ser, com todos os efeitos colaterais. "Esse talvez seja o fardo da história", suspira. "Até então era divertido mostrar o trabalho e tocar. Mas graças a Deus a felicidade de o disco ter saído é maior [que a angústia]." Não fosse um convite do produtor Carlos Barmack (que tinha ouvido uma interpretação sua do Bhagavad Gita traduzido por Rogério Duarte) para montar um show, Moreno certamente não teria feito Máquina de Escrever Música. Para acompanhá-lo, ele convidou os amigos de colégio Kassin (do Acabou La Tequila) e Domenico (do Mulheres Q Dizem Sim). Deu-se a alquimia. De repente, além de um show, eles tinham um disco, que começou a ser gravado um ano e meio atrás, num estúdio no apartamento de Kassin. "Apareceu um eu que eu nunca tinha visto", conta Moreno, cuja obra até então estava espalhada. No disco Livro, de 1997, seu pai havia gravado How Beautiful Could a Being Be. Pouco depois, retomada a parceria com Caetano (17 anos depois de Um Canto de Afoxé), eles fizeram Sertão, que acabou sendo gravada pela madrinha Gal Costa (e que foi regravada para o CD).
O título do disco vem da história de quando Tom Jobim tentou passar pela alfândega com um computador, dizendo que era uma "máquina de escrever". "Está muito grande para ser isso, não é?", perguntou o agente. "É uma máquina de escrever música", devolveu, espirituoso como sempre, o maestro. O fato é que o CD do Moreno + 2 (cuja capa mostra um transístor estilizado) foi todo feito em computadores, com tecnologia até certo ponto precária. Um dos guias nesse trajeto pelos chips foi Daniel Jobim, neto de Tom, que participa do disco tocando piano na faixa de abertura (Sertão) e na de encerramento (I’m Wishing). "O disco é uma teia de amizades que norteia o resultado em si", diz Moreno, que confessa não ser nem possuidor de uma memória musical fabulosa e nem um faminto por novidades ou antiguidades fonográficas. "Meu pai é que tem uma memória musical. Ele e João Gilberto. Se eles tiverem ouvido uma música uma vez, aos quatro anos de idade, são capazes de lembrar 45 anos depois e sair tocando", conta, completando: "E o Kassin é que é o colecionador de discos. Por acaso estou ali no meio dessas pessoas. Meus amigos me mostram umas coisas, meu pai lembra de outras."
Para se prestar atenção nas letras Máquina de Escrever Música foi gravado ao longo de três meses num estúdio montado pela banda em Araras (região serrana fluminense) e finalizado em estúdios no Rio e em Nova Iorque. "E não é um disco pop", avisa Moreno. "Uns chamam de salada, mas tem o problema de o termo ter ficado pejorativo. Ele é uma mistura de tudo o que me diz respeito musicalmente." Basicamente acústico, o CD faz brilhar a voz de Moreno. "Não sei se canto legal", despista. "A minha preocupação é a do recado." Ele explica: "Todas as músicas que estão no disco têm um sentido para estarem nele. Quero que as pessoas entendam as letras." Por isso mesmo, Moreno fez uma versão do rock Eu Sou Melhor Que Você (dos Mulheres Q Dizem Sim) só com voz e violão. "Foi de propósito, para que as pessoas prestassem atenção", diz.
Quanto às comparações que vão aparecer entre sua voz e a do pai, ele se antecipa: "Meu pai me ensinou a cantar. Mas tirando algumas passagens vocais, acho que o gene não falou tão alto." No disco, Moreno gravou o samba Só Vendo Que Beleza, de Henricão e Rubens Campos (imortalizado por Carmen Costa), que vem a ser a primeira música que Caetano o ensinou a cantar. "Descobri poucos meses atrás que o único samba que eu gravei no disco era paulista. Pensei que pudesse ser da Bahia ou do Rio", comemora. Detalhe importante: Moreno dedica o disco ao pai e aos amigos Lucas Santtana e Pedro Sá (guitarrista do Mulheres, para quem escreveu Para Xó, bolero com letra em castelhano, tocado pelo percussionista Marcos Suzano em tablas indianas ao invés de bongôs).
Moreno conta que, uma vez pronto o disco, mandou-o para tudo quanto é gravadora, pequena, média e grande. Para todas, ele sempre apresentava um ou outro probleminha – que até seriam solúveis. "Mas eu queria que o disco ficasse daquele jeito, que é meu, do Kassin e do Domênico", conta. O selo Natasha (de Paula Lavigne, atual mulher de Caetano) não chegou a fazer objeções à Máquina, mas o rapaz preferiu não aceitar o convite "para não ficar tanto na família". "A Paulinha é um gênio de marketing e gerenciamento", elogia. "Acredito em tudo de que ela participa. Mas ela é parente." A pequena e segmentada Rock It! apareceu, segundo Moreno, como a opção ideal. "O presidente [ou seja, Dado] tinha emprestado uma mala de microfones mesmo antes de a gente assinar o contrato", conta. No entanto, foi a Natasha que ficou com os direitos de licenciamento de Máquina de Escrever Música para a Europa, os Estados Unidos (pelo selo Ryko) e o Japão – o lançamento será feito em janeiro próximo. Shows do Moreno + 2 nessas paragens devem acontecer na mesma época.
O maior temor de Moreno em relação à receptividade do disco pela imprensa não é exatamente por ele, mas por Caetano "Meu pai é uma figura que tem alta impedância na mídia. Fico preocupado com os ataques que vão ser feitos a ele através de mim", diz, emendando: "Mas ele é mestre [em responder aos ataques]." O rapaz tem certeza de que ainda fará mais discos: "Muitas músicas planejadas não entraram no CD, outras surgiram durante a gravação. O disco já pede um segundo só para ter onde botar as músicas." Os próximos serão o do Domenico + 2 (que já está pronto e é bem mais experimental que o Máquina), o do Kassin + 2 e, quem sabe, o do + 3 ("O impessoal, só com os anarquismos", diverte-se).
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